quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Transgredir por transgredir - Fecaloma - Clássicos do punk BR

Fecaloma: 20 Anos de Transgredir por Transgredir


punk rock: Fecaloma

Há vinte anos, era lançado o álbum “Transgredir por transgredir”, da banda paulistana Fecaloma, hoje um clássico do punk rock da geração dos anos 1990. Depois do boom dos anos 80, capitaneado pelas bandas Inocentes, Ratos de Porão, Cólera e Garotos Podres, o movimento punk entrou numa fase de inatividade, pelo menos musicalmente. No início dos anos 90, não havia mais apresentações de bandas punks nos clubes e bares da cidade de São Paulo e parecia mesmo que o referido gênero musical havia se esgotado. Entretanto, as gangues continuaram circulando pelo centro e periferias da metrópole à procura de diversão. Entre uma peripécia aqui, outra ali, muitos dos garotos e garotas punks tinham bandas que ficavam restritas às “garagens” de suas casas, onde rolavam os “shows”. Este fenômeno passou despercebido por um bom tempo. Contudo, já nos vislumbres do novo século, como uma panela de pressão, do nada estourou uma nova onda de bandas punks que se espalhava por todos os cantos da cidade e tomava de assalto outra vez o cenário underground. Apareceram então os Invasores de Cérebros, Deserdados, Execradores, Filhos da Desordem, Hiccups, Colisão Social, Gritando HC, Pé Inchado, Cosmogonia, Phobia, Excluídos, Flicts, Calibre 12 e inúmeras outras que não caberiam nesta breve postagem. O surgimento desta nova geração de bandas punks foi possível graças ao baixo custo de produção do quase extinto, hoje, CD. Os primeiros lançamentos foram as coletâneas SP Punk, que chegariam a quatro volumes. Daí em diante cada banda passou, quando podia, a produzir seus próprios CDs. 


É neste contexto que “Transgredir por transgredir” é gestado. Com um estilo punk rock bem cru e simples, a la Ramones, e apresentando desafinações e erros de gravação, o Fecaloma apostava principalmente em suas letras iconoclastas, que escandalizavam até mesmo os punks mais radicais. Canções como Primeiro da Classe (“Eu vou cabular/E fazer da minha vida um recreio” – refrão), O Dever Me Chama (“Quando o trabalho/O dever me chama/Eu prefiro descansar”), Nada Vai Mudar (“Não se anule/Vote nulo/A cidadania é uma farsa/Não passe em branco/Não seja um número/Senão, nada vai mudar), João Consumo (“João Consumo era tão frio quanto seu freezer/João Consumo fazia sexo com sua televisão”), Transgredir por transgredir (Tudo é tão vazio/Eu quero um sentido pra viver:/ Transgredir por transgredir/Não tenho nada pra fazer/Vou sair e dá porrada”), entre outras, causavam polêmica e, às vezes, detratação de alguns. Algumas músicas foram espantosamente proféticas, pois, em América Latina, a letra dizia em bom portunhol, no trecho final: “Non hay nada mejor neste mundo/Do que uma guerrilha civil/Entre una democracia y ditatura/Entre otra democracia e ditadura/Y assim voy viviendo mi vida/Pois yo soy latino americano.../Hei gringos y traidores!/Façam fila no paredón/Voy mandar usted/Sabrá Dios pra onde..”). Já O que há de errado com os vermes? incorria no nonsense (“Quando os vermes entupirem as privadas/E saírem pelo seu nariz/Quando as crianças comerem lombrigas/Que parecem macarrão/Quando sua filhinha pedir de Natal/Uma tenia solium/Quando sua esposa estiver grávida/De uma minhocoçu”). A canção intitulada simplesmente É também vai por essa linha e o refrão dá bem o seu tom: "O que é? O que é? O que é? É! É! É! É! É!). A Delinquentes ou inocentes engrossa o velho tema do repertório punk em sua crítica virulenta ao establishment ("Mas se o sistema é violento delinquente/Como copo haver inocente?/Quem é que faz a violência/Delinquentes ou inocentes?). Músicas que hoje são inconfundivelmente a marca do Fecaloma.


A banda ainda lançaria mais dois CD, “Rebelião Adolescente” (2001) e “Ocupar e Resistir” (2005), sempre misturando um humor sarcástico com uma contundente crítica político social, pela perspectiva do Anarquismo. (A propósito, todos os discos estão disponíveis no Youtube, aqui, aqui e aqui, respectivamente). Em 2017, a banda retornou depois de quase dez anos parada. Nesse meio tempo, nas redes sociais e internet, sofreu ataques de fascistas e nazis, mas nada que fizesse a banda desistir de seus ideais libertários. Para fechar este texto, transcreveremos a letra mais emblemática do Fecaloma, Sertapunk, que apresenta um arranjo punk rock e hardcore à moda do sertanejo de raiz, numa tentativa paradoxal de unir o humanismo universal da Anarquia às raízes regionais do Brasil.

SERTAPUNK

Meu país começa
Nos meus olhos
E se encerra
No horizonte

Minha bandeira
É minha roupa
E todas as cores
Da terra

O hino que canto
É uma música qualquer
Que me deu vontade
De cantar...

(Hard Core)

(disco completo)

01 - Dança da Chuva
02 - Nada Vai Mudar
03 - É
04 - Delinquentes ou Inocentes?
05 - Violência Sub/City
06 - João Consumo
07 - O Que Há de Errado Com os Vermes?
08 - Transgredir Por Transgredir
09 - Sertapunk
10 - Alguém me Segure
11 - O Dever Me Chama
12 - Primeiro da Classe
13 - Sem Nome
14 - Século XXI
15 - América Latina
16 - Os Últimos Espermatozoides Radioativos
17 - Marchinha de Bach

Um comentário:

  1. Disco provocante, uma obra de arte! Faz parte das nossas reflexões sempre.
    Parabéns Jean e Sérgio!
    Ronaldo - EXCLUÍDOS

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